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Teatro Bernardim Ribeiro: Uma história de 100 anos

José Emídio Guerreiro texto

A ideia de construir um teatro em Estremoz surgiu em 1911, no seio da tertúlia que se costumava juntar no café Águias de Ouro e que era formada por algumas das figuras mais influentes da terra – Carlos Frederico Luna, Marques Crespo, José Rosado da Fonseca, Manuel Graça Zagalo, entre outros

Era uma época em que havia em Estremoz vários grupos cénicos amadores, criados por sócios das coletividades, das filarmónicas e das associações de socorros mútuos. Esses grupos apresentavam-se no Teatro do Asilo, o único local que tinha condições mínimas como casa de espetáculos. Mas, não era satisfatório para quem sonhava com um teatro com toda a dignidade, à imagem do Garcia de Resende, em Évora, inaugurado há pouco tempo.

Seguindo a experiência de Évora, foi criada uma sociedade por quotas, que deveria reunir o capital necessário para pagar a obra. O processo foi longo: a recolha de fundos demorou cerca de 10 anos, mas acabaram por aderir ao projeto 816 acionistas que subscreveram ações no valor unitário de cinco escudos e um mínimo de 25 escudos. Se considerarmos que cada acionista comprou 10 ações, o capital angariado deve ter sido cerca de 41 contos.

O grande impulso para a obra foi dado pelo proprietário  João Reynolds, que estava em negociações com a Câmara Municipal com vista à abertura da Rua do Mesurado, para ligar o Rossio à estação do caminho de ferro. Segundo consta, J. Reynolds terá subscrito uma grande quantidade de ações pagas com o valor do terreno. Ficou, assim, decidido o local para o Teatro. Quanto ao nome, inicialmente, pensou-se em Teatro Salão. Mas prevaleceu o nome de Bernardim Ribeiro – poeta natural do Torrão (Alcácer do Sal) – com ténues relações com Estremoz. 

A obra – segundo sabemos – decorreu sem grandes percalços – tendo sido adotado o modelo de teatro à italiana, muito em voga na época, com desenhos do engenheiro Ernesto da Maia. A decoração ficou a cargo do pintor portalegrense Benvindo Ceia. A pintura do teto, invocando o Triunfo, é da sua autoria e foi de muito difícil execução. A obra artística de Benvindo Ceia pode ainda hoje ser apreciada nalguns salões da Câmara Municipal de Lisboa, no Teatro Circo em Braga, nos Cafés Chave de Ouro e Martinho da Arcada, em Lisboa, na Casa do Alentejo e em palácios em Faro e noutras cidades do País.

A inauguração teve lugar em 1922, com grande pompa e circunstância, tendo merecido grandes elogios da imprensa nacional. O Bernardim Ribeiro revelou-se pequeno, nesse dia, para acolher todos os convidados que não quiseram faltar à estreia da peça “Entre Giestas”, pela companhia de Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro. No final, a atriz recitou poemas de Bernardim Ribeiro e foi em grande apoteose que o público saiu da sala.

Em 1926 tem lugar outro momento marcante: é decidido prestar homenagem a Adelina Abranches, com a colocação de uma lápide comemorativa no ‘foyer’ do Teatro, na presença da atriz.

Passada a euforia das festas, era a altura de pensar nas contas. Foi, então, tomada a decisão de arrendar o Teatro a Alberto Magalhães, de Lisboa, empresário com experiência de gestão de espetáculos. Depressa se chegou à conclusão que as receitas não davam para as despesas. As finanças da sociedade foram-se degradando, até que a situação se tornou insustentável. E em 1931 – nove anos após a inauguração – com uma dívida de cerca de 100 contos e uma receita anual de 14 contos, proveniente da concessão, foi decidido entregar o Teatro à Câmara Municipal.

Nesse mesmo ano ocorre a estreia do cinema sonoro em Estremoz, com as fitas “A Cidade do Canto” e “A Loucura de um Beijo”. O público acorre em massa, atraído pela novidade. O cinema começa a entrar na programação regular e o espaço passa a designar-se Cine-Teatro Bernardim Ribeiro. Em 1934 é o local escolhido para a apresentação pública da maqueta do monumento aos Combatentes da I Grande Guerra, da autoria do escultor Sá Lemos, com agrado geral. A primeira versão do arquiteto suíço Ernesto Korrodi não tinha acolhido muitos adeptos.

Em 1940 entra ao serviço um novo concessionário, também de Lisboa. É Anselmo Vieira que oferece 26 contos, por um período de cinco anos. Nesta época, os cortes de energia são frequentes e A. Vieira queixa-se que está a ter grandes prejuízos, porque nas noites em que há cinema vende muitos poucos bilhetes. Os espectadores receiam que a luz acabe a meio da fita.

Em 1946, o concurso para arrendamento do Teatro é ganho pela firma Trindade, Lda., de Estremoz, que também tem participação na sociedade da Esplanada-Parque. O contrato é válido por cinco anos e decorre sem história.

Em 1952, é a vez de Feliz Fialho, também de Estremoz, que, ao fim de pouco tempo, se desentende com os proprietários da Esplanada-Parque, por causa da programação do cinema noturno ao ar livre, que lhe faz concorrência direta.

F. Fialho aposta mais no teatro e consegue trazer a Estremoz, em 1953, a companhia de Vasco Santana, com a peça “O Costa de África”, com Vasco Santana, Ribeirinho, Costinha e Henrique Santana. Nesse mesmo ano tem lugar a homenagem a Sebastião da Gama, poeta que tinha falecido no ano anterior e fora professor de português na Escola Industrial e Comercial. Discursaram Hernâni Cidade, Eurico Lisboa e Matilde Rosa Araújo. E Vasco de Lima Couto recitou poemas do autor.

Em 1954, o espetáculo de João Villaret “Esta Noite Choveu Prata”, do dramaturgo brasileiro Pedro Bloch, constitui um momento alto na vida cultural da cidade. Há relatos na imprensa local do grande entusiasmo do público, perante a extraordinária atuação do ator/apresentador, que interpreta em palco três personagens diferentes, durante cerca de duas horas.

Provavelmente motivado por este êxito cultural, um grupo de cinéfilos locais decide criar o Cineclube, na Rua dos Banhos. Entre os fundadores, estão Aníbal Falcato Alves, Jacinto Varela, Ruy Pacheco, Joaquim Vermelho e Janeiro Acabado. Os filmes – sobretudo de cineastas europeus – são criteriosamente selecionados e exibidos para os sócios, uma vez por mês, no Teatro Bernardim Ribeiro.

Estando a terminar o contrato com Feliz Fialho, a Câmara Municipal abre novo concurso para o arrendamento do espaço. A delegação da Cruz Vermelha Portuguesa apresenta a melhor proposta. Mas, a direção nacional não dá autorização à delegação de Estremoz para assumir  a concessão, invocando que a instituição não tem vocação para a exploração comercial de cine-teatros.

A SACIL – Sociedade de Atividades Cinematográficas acaba por ganhar o concurso, entretanto reaberto, e inicia a exploração em 1960. A empresa promove, então, uma série de melhoramentos no recinto: nova máquina de projeção e de som, novas cadeiras estofadas para a plateia. O cinema volta a ter primazia na programação do Teatro. São exibidos sobretudo filmes americanos, produzidos em Holywood, do género ‘western’, com atores como John Wayne, Glenn Ford, Maurean O’Hara, entre outros. O público ganha o hábito de ir ao cinema e há mesmo quem tenha lugar cativo. Passa a haver uma sessão a meio da semana, para além dos sábados e domingos. Um dos funcionários encarrega-se de distribuir pela cidade centenas de programas nos dias em que há cinema. Entre porteiros, arrumadores, projecionista, copistas e bilheteiros, a SACIL chegou a dar trabalho a 15 pessoas.

Em 1966, o conjunto académico João Paulo, que estava a ter grande sucesso, entre amantes de música rock, esgota o Teatro. Dezenas de jovens que não tinham conseguido bilhete acotovelam-se à porta, na expectativa de obter um autógrafo dos músicos.

Ainda em 1966, Laura Alves apresenta em Estremoz a peça “O Comprador de Horas”, que estava em cena, há vários meses, no Parque Mayer em Lisboa.

Em 1969, o Orfeão promove um grande programa de homenagem ao patrono Tomás Alcaide, com a ópera “Rigoletto” pela companhia de ópera do Teatro da Trindade e concerto pela Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional, dirigida pelo maestro Jaime Silva (Filho). É a primeira vez que Estremoz assiste a um espetáculo de ópera.

Chega o 25 de Abril, mas a SACIL mantém o contrato com o Município. Em 1975, os filmes já são  exibidos sem cortes. A revolução tinha acabado com a censura prévia. A gerência do Teatro anuncia o “O Último Tango em Paris”, com Marlon Brando e Maria Schneider, que contém algumas cenas mais ousadas e os bilhetes esgotam-se rapidamente.

Em 1979, com a atmosfera política pacificada, o Orfeão organiza uma sessão de homenagem a Miguel de Almeida, que tinha colaborado com a coletividade, em várias ocasiões. É reposta a peça “A Promessa”, escrita por Judite Gomes da Silva e musicada pelo homenageado. M. Almeida é considerado pela crítica do seu tempo um dos mais destacados autores portugueses de música ligeira, nos anos 1920 e 1930. Desconhecido do grande público, era natural de Estremoz e pertenceu ao círculo restrito de amigos de Tomás Alcaide.

Em 1981, 21 anos depois do início do contrato, a SACIL desinteressa-se da exploração do Teatro. Segundo referia à data o gerente local Alberto Caldeira Ferreira da Silva, os prejuízos tornaram-se incomportáveis.

A nova gerência cabe a Filipe Galhanas, de Borba. A dinâmica cultural do Teatro entra em declínio. Algumas sessões de cinema têm apenas dois ou três espectadores. Para atrair o público masculino, F. Galhanas opta pelos filmes erótico- pornográficos que passam no circuito comercial. A estratégia não resulta por muito tempo. O público vira as costas ao Teatro. E nem o concerto de Fernando Lopes Graça e o coro da Academia dos Amadores de Música, organizado pela Câmara Municipal, no âmbito das comemorações do 25 de Abril, em 1982, inverte o panorama geral de indiferença.

Em 1987, o Município toma uma decisão radical. Não renova o contrato com Filipe Galhanas, nem abre novo concurso. Passa, a partir daí, a fazer a gestão direta do Teatro, através dos serviços culturais. Neste período, o cineasta Manuel Costa e Silva, que fazia longas estadias na cidade, colabora com a Câmara na escolha dos melhores filmes que estão disponíveis no circuito comercial.

É por estes anos que terminam os bailes de Jardim de Inverno, que o Orfeão organizava na noite de segunda-feira de Carnaval e que eram muito concorridos. O ‘foyer’ do Teatro nunca chegava para tanta gente e, às vezes, os porteiros não conseguiam controlar a multidão que queria entrar. Os bailes eram abrilhantados normalmente pelo conjunto musical Maryling, com Mário Rato, na bateria, Genaro Manteigas, no rabecão , João Manaças ao piano, Chico Charcas no trompete, entre outros.

Em 1996, o Teatro assiste a um acontecimento inédito. No final da exibição do filme português “Adão e Eva”, o realizador Joaquim Leitão e o ator Joaquim de Almeida, presentes na sala, respondem às questões que o público quis colocar. O debate é muito animado. Nesta fase da vida do Teatro são já visíveis os sinais de degradação do edifício. A cobertura mete água nalgumas zonas, o balcão superior (chamado “piolho”) está interdito, no inverno é impossível suportar o frio. 

Ao mesmo tempo que avança para a classificação do imóvel como de Interesse Municipal, a Câmara decide mandar executar o projeto da sua reabilitação integral. Sai vencedor do concurso o atelier ProjetoPlano, do arquiteto Duarte Nuno Simões.

Antes de as obras começarem tem ainda lugar, em 1997, o I Concurso Internacional de Canto Tomás Alcaide, que junta dezenas de cantores líricos de várias nacionalidades. E também o IX Congresso sobre o Alentejo, subordinado ao tema geral “Alentejo – Políticas e Instrumentos para o Desenvolvimento”.

Entretanto, as obras começam e vão demorar cerca de três anos e meio. A empresa Vapeca, de Torres Vedras, é o empreiteiro geral.

Em 2003, pouco tempo depois da reabilitação estar concluída, ocorre um incêndio em parte do telhado, que causa alguns estragos. Porém sem grande gravidade, o Teatro reabre rapidamente.

Em 2009, a dupla António Feio e José Pedro Gomes com as “Conversas da Treta” enchem o Bernardim Ribeiro e fazem lembrar os momentos áureos da sua história.  Em 2011, o Teatro está na linha da frente no que diz respeito ao cinema digital. Aproveitando um programa de financiamento da União Europeia, o Município adquire uma moderna máquina de projeção. O primeiro filme exibido neste sistema é “As Aventuras de Tim Tim e o Segredo do Licorne”. Em 2012, nas comemorações do Mês do Teatro, tem lugar a estreia nacional da peça “Morreste-Me”, interpretada por Sandra Barata Belo, com textos de José Luís Peixoto. A Ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, chegou a anunciar a  presença, mas à última hora ficou retida em Lisboa.

Em 2014, o espetáculo de magia de Luís de Matos é outra das referências maiores da história do Bernardim Ribeiro.

Dos anos depois, ocorre a estreia do TAE – Teatro Amador de Estremoz, secção da Casa da Cultura, ensaiado pelo estremocense Cláudio Henriques. A peça “Outros Como Nós” é ensaiada por Teresa Lima. Mais recentemente, têm animado a cidade os espetáculos da Academia Sénior, “Velhas Gaiteiras”, inspirados na revista “à portuguesa”.

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